Quando falamos de 13 de maio, muita gente ainda repete a história como aprendeu nos livros antigos: a Princesa Isabel, num gesto nobre e comovente, teria “libertado” os escravizados do Brasil com a assinatura da Lei Áurea.
Mas a verdade, nua e não tão doce, é outra: a assinatura foi o último capítulo de uma luta iniciada muito antes — e que não terminou com aquele ato.
A abolição da escravidão nunca foi um presente. Foi o resultado da pressão popular, do sangue derramado, da resistência quilombola, da coragem dos abolicionistas negros, do trabalho incansável de muitos que o tempo tenta apagar.
Em 13 de maio de 1888, a Princesa Regente assinou a Lei nº 3.353, conhecida como Lei Áurea, decretando o “fim da escravidão no Brasil”. Ela tinha apenas dois artigos e nenhum plano de inserção social, indenização ou reparação para os libertos.
Nenhum pedaço de terra. Nenhum emprego garantido. Nenhum projeto de acolhimento.
Apenas a formalização da liberdade que já estava sendo arrancada à força por quem não suportava mais viver acorrentado.
Segundo historiadores e especialistas, nas semanas que antecederam a assinatura, o país já vivia um clima de insurreição negra: fugas em massa, sabotagens, revoltas de trabalhadores, alforrias forçadas. A estrutura da escravidão estava ruindo, não por benevolência da monarquia, mas por pressão inegável da base social.
Foi a mobilização popular — de negros livres, jornalistas, advogados, estudantes, artistas e até senhores de escravizados arrependidos — que tornou insustentável a continuidade do regime escravocrata.
O Brasil se agarrou à imagem de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon e Bragança com a pena na mão como se fosse redenção.
Mas onde estão os nomes de Luís Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, Tia Ciata, Maria Firmina dos Reis?
Onde está a história das mulheres negras que alimentaram revoltas nos terreiros, das lideranças quilombolas que enfrentaram tropas, dos ex-escravizados que libertavam outros irmãos com as próprias mãos?
Essa história não está nos monumentos. Não está nas datas cívicas. Mas vive em quem resiste.
A abolição, do jeito que nos ensinaram, foi um pacto simbólico que “resolveu” a escravidão sem tocar no racismo.
Libertou corpos, mas não devolveu dignidade.
E 137 anos depois, ainda estamos esperando por ela.
Historicamente, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. E talvez tenha sido o que menos se preparou para isso. A Lei Áurea, tão exaltada em desfiles escolares e livros didáticos, não previa nenhum tipo de reparo, inclusão ou cuidado com quem ficou livre apenas no papel.
Enquanto os senhores de escravizados exigiam indenizações, os libertos vagavam pelas cidades, dormindo nas ruas, formando favelas, sendo criminalizados por existirem.
O Estado, que sustentou o regime escravista por mais de 300 anos, lavou as mãos no dia seguinte à abolição.
E essa negligência não ficou no século XIX. Ela se perpetua até hoje em cada estatística:
na taxa de homicídios de jovens negros,
no desemprego estrutural,
no sistema carcerário seletivo,
no racismo diário disfarçado de opinião.
Celebrar a data é importante.
Mas celebrar com consciência.
Sem repetir mitos. Sem esquecer nomes.
Sem silenciar a dor que ainda ecoa.
É nosso dever lembrar que a história da abolição não cabe em dois artigos de lei nem numa imagem de princesa sorridente.
Ela é feita de gritos sufocados, batalhas vencidas com o corpo, e ausências que ainda doem.
Por isso, neste 13 de maio, eu não falo de redenção.
Falo de revisão, reparação e reconhecimento.
Falo de um país que ainda não terminou de se libertar.
Falo de um povo que não esquece — e que continua a escrever a sua história com sangue, suor e palavras.
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